domingo, 27 de abril de 2008

INDIFERENÇA


Rosto que se vira incomodado, evitando que os olhos vejam o que não quer.

Passo acelerado, para que o cheiro não lhe chegue às narinas e a voz não lhe fique gravada.

Não lhe importa que seja criança em farrapos e de pés no chão a pedir pão ou talvez um abraço.

Não quer saber se é mendigo que tem por cama a pedra em algum recanto escondido.

Se é prostituta isto não é consigo, não tivesse escolhido aquela como profissão.

Ah, e se usa perfume barato e roupa sem ser de marca... cheira a gente do povo!

E de que falam? É de futebol ou de telenovelas? Não conhecem Kant ou Nietche, Pessoa ou Saramago? Que pobreza, que gente sem cultura!

Não sabem apreciar uma obra de arte? Não vão ao teatro? Querem é festa popular, com sardinha e vinho de cheiro? De certeza não são gente!!!



Quem não sente é que não é gente!

Que curso tiraram, que dinheiro têm, que poder obtiveram para lhes permitir além de julgar, desdenhar dos outros? O que foi que ganharam?
Bolas de vidro em vez de olhos, pedaços de ferro a fingirem de braços uma pedra no lugar do coração ( pedra não, que a pedra aquece ao Sol)?



Endurecem de tal modo, que nem o sofrimento de quem já fez parte das suas vidas lhes comove! É que pode vir a ser contagioso! É bom partilhar os momentos de alegria, mas as lágrimas, estas fiquem com quem as deixa cair!

sexta-feira, 25 de abril de 2008

TRISTEZA


Hoje vi a falta de esperança nos olhos dos outros

Hoje senti a dor que consome quem está a sofrer

Hoje o silêncio fere-me e faz-me sangrar

Hoje tentei dar palavras de consolo a quem me falava da sua dor

Hoje quis ser forte e oferecer um ombro a quem chorava

Hoje não consigo pôr-me em bicos de pés e espreitar o Sol por cima das nuvens

Hoje as lágrimas teimam em lavar-me o rosto

Hoje a tristeza dos outros tomou conta do meu coração

Hoje apetece-me ser menina embalada no colo de sua mãe.

terça-feira, 22 de abril de 2008

A VIDA A CORES


Aquele rosto reflectido no espelho, conheço-o... de onde?

Os traços parecem-me familiares.


É um rosto que surge do passado, do tempo em que quase não tenho memória.


Olho atentamente, é um rosto de criança, os olhos inocentes brilham confiantes, o sorriso baila nos lábios... é um rosto terno e traquinas, como só quem ainda viveu pouco consegue ter.


Há muito que não via aquele rosto e a memória atraiçoa-me.


Será que já fui assim?


Será que já rebolei na erva fresca manchando a roupa da cor da esperança, corri atrás de borboletas como quem corre atrás de sonhos, será que pintei o mundo de todas as cores (menos preto - é que o preto não é uma cor para as crianças)? Será que brinquei com bonecas fingindo estar no mundo dos adultos? Esta imagem fez-me chegar recordações, mas são tristes, sim brinquei, brinquei demasiado ao mundo dos adultos.

A príncipio foi engraçado fingir que conhecia os seus segredos...depois desiludi-me com aquele mundo de cores desbotadas (como as cores das roupas que vão muitas vezes a lavar e a secar), deixei de poder correr nos campos, esqueci-me das minhas gargalhadas ... a vida, via-a a preto, branco e cinzento, em alguns dias. Sim, foi isso, que me fez ficar cansada, estava a brincar ao faz de conta e aquele mundo, sem eu saber como, tornou-se o meu. Triste, sem saber o que fazer, adormeci e deixei-me ficar a dormir...


Olho novamente o espelho, o rosto continua lá ... lembrei-me ... aquele rosto é o rosto da criança que tinha adormecido no meu coração. Agora estava acordada e fitava-me com seus olhos felizes, tinha descoberto que não tinha que entrar naquela brincadeira sem graça dos adultos e estendia-me a mão. Agarrei -a com força e deixei-me conduzir por ela: as gargalhadas voltaram a ouvir-se, rabiscamos as paredes de todas as cores, fomos para o alto da colina e deitamo-nos. Olhamos, o céu azul com as suas nuvens de algodão e vimos o nosso castelo. O Sol tocava-nos com os seus raios e rebolamos colina abaixo de olhos abertos: verde, azul, verde, azul, verde, azul, eram as cores que víamos e o cheiro a terra inundava-nos a alma. Soube que nunca mais nos iríamos deixar!


sábado, 19 de abril de 2008

INTIMIDADE

Não sei viver
Sem o cheiro do mar,
Sem o brilho do Sol,
Sem a terra entre as mãos.
Gosto
Do rebentar das ondas,
De sentir o vento no rosto,
Do cheiro da terra orvalhada,
Do verde dos rebentos da Primavera.
Não quero viver
Sem procurar os teus olhos,
Sem o toque das tuas mãos,
Sem o calor dos teus abraços,
Sem o bater do teu no meu coração.
Desejo
O silêncio da tua chegada,
O teu sorriso sem palavras,
O brilho dos teus olhos,
A intimidade que nos aconchega.

terça-feira, 15 de abril de 2008

O filme da minha vida



Um dia disseram-me: "Olha para a tua vida como se fosses espectadora de um filme. És a actriz principal. Comporta-te como gostarias de a ver representar."
Desde que me disseram estas palavras é assim que procuro proceder.
Neste momento, se rebobinar o filme da minha vida e começar a vê-lo: vejo o Sol, a terra e o mar da minha infância e início de adolescência. Depois, é como se tivesse desgravado o filme e não há nada... só um écran branco entrecortado com cenas mais felizes e outras mais tristes. Sei que se quisesse poderia colocar as cenas todas no lugar, mas não quero...não estou pronta para ver o meu passado-recente.
Depois volto a ver o filme, pressinto as cenas que não vi... delicio-me com o que vejo agora e não me pergunto como irá acabar o filme. Se o estiver sempre a fazer, não vou poder apreciar o AGORA preenchido por sentimentos de sintonia com a natureza e de prazer do contacto que tenho com quem me rodeia. O AGORA é continuar a sentir amor dentro de mim e querer dá-lo a quem o quiser recebê-lo. Amo demasiado a vida, quero saboreá-la devagar, quero deliciar-me e deixar-me surpreender com cada minuto, com cada segundo...sem pressas.
Sinto que se não for assim, a vida vai passar sem eu a ver, só porque estava preocupada com a curva da estrada e com o caminho para além da curva. Estes caminhos irei percorrê-los quando lá chegar do modo que melhor souber.
Talvez esta não seja a melhor maneira de viver, mas é a única forma como consigo viver agora.

domingo, 13 de abril de 2008


PARA ALÉM da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva,
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando chegarmos lá saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

de Alberto Caeiro

domingo, 6 de abril de 2008

Um salto para a vida


Desde o último post que escrevi, e ainda por cima com o comentário da treasurseeker, não me tem saído da cabeça um velho amigo meu, um amigo que vem dos tempos da adolescência e com o qual há muito tempo não falo. Decidi que não podia esperar mais e fui ter com ele.

"Todo o vosso corpo, desde a ponta de uma asa até à ponta de outra asa - costumava a dizer Fernão - não é mais do que o vosso próprio pensamento, uma forma que podem ver. Quebrem as correntes do pensamento e conseguirão quebrar as correntes do corpo"

Já lhe tinha ouvido dizer o mesmo, usando as mesmas palavras noutras alturas...agora percebi-o de um modo diferente.
Eu era uma pessoa cheia de certezas e perdi-as quase todas, não o digo com tristeza ou mágoa, simplesmente com humildade e vontade de quebrar as minhas amarras, que deixaram de fazer qualquer sentido.
Depois de um período de calmaria, onde tudo estava arrumado no lugar certo, vejo-me, não no meio da confusão, sem saber o que quero ou para onde vou, mas livre para construir o que quiser a partir daqui e de agora.