sábado, 29 de novembro de 2008

LÁ DENTRO... O MAR



Seguro na mão uma bola de vidro azul. Encontrei-a no canto da sala. Berlinde perdido na última brincadeira. Na casa não se ouvem nem os risos nem as vozes infantis de ontem.
Silêncio.
Olho em volta e não entendo o que faço aqui. Não reconheço os rostos das fotos. Não gosto daqueles frios objectos de metal em cima dos móveis enormes e feios. A cor das paredes dá-me náuseas. Sinto-me uma estranha... uma estranha na minha própria vida. Alguém alterou o código que me permitia aceder ao meu pequeno mundo e que agora simplesmente não entendo.
Olho o pequeno tesouro que tenho na mão.
- Se olhares com muita força, vês lá dentro o mar. - sussurra uma voz de criança.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

ESTA VIDA SÃO DOIS DIAS

"Esta vida são dois dias
E um é p'ra acordar
Das histórias de encantar"

cantava Pedro Abrunhosa num dos canais de música na T.V., da sala de espera do escritório de advocacia da dra. Sara.
Durante meses percorrera conservatórias, repartições de finanças, entrara e saíra de salas como aquela, numa sucessão infinita de gabinetes, tentando lidar com uma burocracia que não compreendia e que a fazia permanecer numa história que já não queria sua. Agora estava a dois passos de poder colocar o ponto final naquele conto de final triste.
- D. Conceição, a dra. Sara já a pode atender.
Levantou-se dirigindo-se ao gabinete onde já tantas vezes entrara. Atrás de si continuava a ouvir-se:
"... E um é p´ra acordar
Das histórias de encantar
Das histórias de encantar..."

sábado, 8 de novembro de 2008

LOST IN TRANSLATION

Realização e Argumento: Sofia Coppola.

Elenco: Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris.

Nacionalidade: EUA/Japão, 2003.


Pegando no título original, Lost in Translation faz-nos realmente sentir perdidos na tradução. Não a tradução entre o inglês e o japonês, um jogo que nos dá alguns dos momentos mais divertidos; mas a tradução entre o mundo e cada um de nós como parte desse todo. O sentimento de inadequação e desgarramento não está dependente da acção se desenrolar em Tóquio, mas do facto de se terem esquecido de dar a Charlotte e a Bob um dicionário que os ajude a compreender esse idioma estranho com que o mundo e a sociedade lhes falam. A não comunicação de ambos com os seus respetivos parceiros evidencia isso mesmo: o marido fotógrafo de Charlotte basicamente esquece-se dela durante todo o dia, e Bob encontra-se bastante mais longe da sua companheira que os quilómetros que fisicamente os separam.


Mas, no fim, fica a vontade de não encontrar sequer esse papel pré-definido, a vontade de inventar o seu próprio caminho, a sua própria linguagem que, num segredo sussurrado, deixa o espectador a procurar no seu íntimo o desfecho da história, a explicação.


Custa classificar este filme como comédia. Sim, sorrimos muitas vezes, e uma gargalhada ou outra será inevitável, mas a tristeza está tão impregnada nos silêncios e nos olhares que é difícil não repararmos nela. Um pouco como o contraste de cor entre a Tóquio de noite, com os seus garridos néons, os seus ensurdecedores karaokes, e animação descontrolada; e a Tóquio de dia, de cores suaves de pastel esbatido, de uma cidade que se cala para trabalhar e se fecha num quarto de hotel.


O ritmo do filme é como uma respiração, acompanhando a exasperação e o cansaço dos personagens, a sua euforia e a sua descoberta, em duas interpretações magistrais, de contenção expressiva, por parte de Scarlett Johansson, uma das actrizes do ano, e a comicidade trágica de Bill Murray, num dos seus melhores registos de sempre.


Na identificação de um momento, o elemento que os une (a nacionalidade, o idioma comum, a estranheza do contexto) serve de ajuda a essa busca de um sentido que, naquela semana, parece resumir a preocupação de toda uma vida. E assistimos à construção, em pequenos detalhes, de um amor que é identificação, compreensão, aceitação. Um sentimento que não precisa de tradução. E como completa a voz de Brian Ferry, no momento mais emotivo do filme: “More than this, there is nothing…”.

Extraído de: http://cinerama.blogs.sapo.pt/71567.html

Do filme, que vi ontem retive a frase:
"The more you know who you are and what you want, the less things upset you."

sábado, 1 de novembro de 2008

EXISTEM PESSOAS EXCEPCIONAIS


À minha frente estava sentada uma mulher jovem, deveria ter entre vinte e cinco e trinta anos. Era bonita e vestia-se com gosto. Apresentou-se-me como sendo a encarregada de educação do Pedro, o aluno que acabara de chegar à minha direcção de turma. O Pedro viera transferido de uma escola do continente, integrara a turma uma semana após o ano lectivo se ter iniciado. Maria, era assim que se chamava a jovem à minha frente, explicou-me que tinha pedido a guarda do meu aluno e que esta lhe tinha sido concedida. Tudo começara quando o conheceu numa instituição em que trabalhara como assistente social. A mãe do Pedro sofrera um aneurisma e encontrava-se em estado vegetal, o pai entregara o filho aos cuidados de uma instituição, apesar de dispor de recursos para cuidar do menino. Maria afeiçoou-se-lhe e quando, por motivos de colocação, deixou de trabalhar na instituição onde este se encontrava passou a convidá-lo para passarem juntos fins-de-semana e férias. O problema surgiu quando Maria foi colocada nos Açores, ficando impossibilitada de ver o Pedro com a frequência a que já estavam habituados.

- O Pedro ressentiu-se muito. Sentia a minha falta. - explicou-me a Maria - O que poderia fazer? Pedi para ficar com a guarda dele.

Foi assim que o Pedro veio parar à minha turma.

- Eu ajudei o Pedro a preencher a ficha biográfica. Ele estava com dificuldades com o nome que devia colocar onde dizia "Nome da mãe". Disse-me: "Sabes Maria, é que para mim tu és a minha mãe, mas não posso lá escrever o teu nome. Toda a gente vê que não és a mimha mãe." - contou-me a Maria.


Maria é uma encarregada de educação interessada. Preocupa-se com o comportamento, o aproveitamento, as dificuldades de aprendizagem, a integração do Pedro na escola. Conhece as dificuldades que ele tem ao nível da escrita, sabe os erros que ele comete, ajuda-o a estudar para os testes, está a par das novas amizades que faz, mantém-se ao corrente do que se passa na escola, das traquinices e dos problemas próprios da idade.


É raro o dia em que não me lembre da atitude da Maria, uma jovem solteira, bonita, com um bom emprego e que fica com um menino de 14 anos, é esta a idade actual do Pedro, à sua responsabilidade. Não posso pensar que o fez inconscientemente uma vez que trabalha todos os dias com crianças desta idade e que foram abandonadas. São pessoas como a Maria que me fazem acreditar nesta força incrível que é o Amor.