O Paulo está pela primeira vez no 7º ano. Tem um sorriso tímido, levanta o dedo a pedir licença para falar, o que faz com frequência na minha aula, é que Matemática é a sua disciplina preferida. Quando acaba a leitura de um enunciado, inicia de imediato a resolução do exercíco e enquanto espera que os colegas terminem, entretém-se inventando novas perguntas. Com os olhos a brilhar por detrás dos óculos, põe o dedo no ar e pergunta: "Ó professora, e se no problema ainda pedisse..." Para ele a aula passa rápido. Gosta de aprender e gosta de fazer coisas que a maior parte dos seus colegas classificariam de chatas: ler e inventar construções em Lego. Um dia vai ser engenheiro...
O Henrique também frequenta o 7º ano pela primeira vez. Sentou-se no primeiro dia na fila da frente, "para ver melhor o quadro". Usa óculos de lentes grossas numas armações todas "fashion", e um brinco em cada orelha, quadrados preenchidos com brilhantes de vidro. Espeta o cabelo curto com gel e é moreno, daquela cor que só os meninos de rua conseguem ter. Preferia estar a trabalhar com o pai nas obras, a "amarrar ferro", do que frequentar a escola, mas o seu sonho era ser como o Cristiano Ronaldo. Quando lhe peço para ler uma questão em voz alta, lê muito devagar, junta as letras, depois as sílabas e por fim sai a palavra. Ao terminar a leitura, volta a ler tudo para si, a ver se entende a pergunta. Depois sai-lhe a resposta de rompante. Se está correcto, o que acontece raramente, diz todo satisfeito: "Sou esperto, não sou professora?"
Em cada novo ano lectivo sinto que, na minha escola, aumenta o número de meninos como o Henrique. A minha grande interrogação é como ensinar estes meninos que os pais enviam para a escola por obrigação e que permanecem lá contra a sua vontade. São alunos que chegam ao 7º ano de escolaridade sem terem, ao menos, desenvolvido competências básicas como as de leitura e de cálculo e que não revelam gosto em aprender. Não valorizam a cultura escolar e não compreendem a sua linguagem. Ensinar estes meninos é um grande desafio, penso que o maior que hoje se me apresenta, em termos profissionais.
Durante estas semanas em que estive ausente, senti saudades deste cantinho e dos vossos, mas o tempo para escrever e para vos visitar faltou-me. Espero que agora seja o regresso a este espaço.
9 comentários:
Cada vez maior, o desafio.
E cada vez maior a dificuldade em competir, no interesse, com as actividades que, lá fora, chamam por eles, sendo que poucas terão a ver com 'amarrar ferro' ou fazer outro tipo de trabalho...
Bom regresso!
Em casa é que começa a verdadeira educação, aquela que nos ensina a ser e a ter vontade de aprender.
A escola é o complemento, e claro a abertura das portas para o conhecimento.
Gosto do teu regresso
Beijo
É um desafio cada vez mais importante e responsável. Captar a atenção de jovens desta idade e focá-los nos estudos não é/será 'pera doce'. Mas eles merecem o teu esforço. E são lindos...
Beijo
Conheço bem esta sensação de termos em frente a nós o resultado "do sistema - escolar, social, familiar".
Ouvia na Antena 2 que os alunos não distinguem nós de noz.
bem vinda
Olá Su,
... só beijinhos
Esqueci desculpas...
passa aqui :
http://sumocomgelo.blogspot.com/
beijinho
Esses meninos vão sempre passando de ano, mas depois? Será justo o futuro medíocre que terão?
Muito facilitismo a meu ver, em nome das estatísticas europeias.
que caras mais bonitas.
será, com toda a certeza, um desafio para ti mas será também maravilhoso acreditar que no final vais deixar neles um bocadinho de ti, um bocadinho que pode vir a fazer toda a diferença no seu futuro.
Cada vez mais é maior o desafio...
Gostei muito de ler este texto e agradeço a partilha do mesmo.
Até breve
Luis
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