domingo, 15 de novembro de 2009

GOSTO MUITO DE TI



Quando a vi hoje pareceu-me mais pequena. Não que alguma vez a tenha considerado alta, mesmo em criança já me apercebia da sua estatura baixa.
No momento em que cheguei estava sentada numa cadeira, bem na pontinha, com o olhar em lado algum. Ao aperceber-se da minha presença levantou os olhos para mim. Os mesmos olhos azuis, os olhos mais meigos que já vi, mas hoje até os olhos estavam diferentes... no seu olhar estava bem patente a confusão que sentia. Abracei-a e beijei-a como de costume. Não me reconheceu... Falei-lhe dos dias em que, logo de manhãzinha, me penteava os cabelos com vagar e carinho, porque sabia o quão difícil era desembaraçá-los em seco, das roupinhas que me fazia para as bonecas, do dia em que me ensinou a tricotar com paciência infinita para com as minhas mãozinhas desajeitadas, descrevi-lhe as blusas que me tricotara, modelos difíceis que conseguia desvendar olhando, através de uma lupa, horas a fio para as fotografias das revistas alemãs, onde eu encontrava os pull-over da minha preferência, falei-lhe das minhas travessuras com os meus primos... sorria enquanto me ouvia. Por fim disse-me:
- Eu sei quem és, só não sei como te chamas.
A minha tia explicava-lhe quem eu era, a filha do seu filho mais velho, a Carla. As suas palavras de nada serviam. A minha avó não conseguia reconhecer ninguém.
Nas minhas mãos as suas mãos frias, brancas quase translúcidas. Olhou-me a sorrir:
- Sei que gosto de ti.

12 comentários:

Vento Nocturno disse...

Tens o dom de tocar bem fundo.

Belo...

Beijo

Sónia Costa disse...

Poça......
Até me deu aperto na garganta...de emoção. E porque me fez lembrar uma passagem idêntica com o meu avô, pouco antes de ele partir.

f@ disse...

!
n
f
i
n
i
t
o

BEIJINHO

BlueVelvet disse...

É muito triste quando chegam a este ponto, mas é bom saber que bem lá no fundo, não importa como, ela sabia que gostava de ti.
Um beijinho dos meus...

mjf disse...

Olá!
É angustiante vermos a degradação cognitiva daqueles que amamos....mesmo que seja fruto da idade:=((((

Beijocas

Maria disse...

Lindo!

Um abraço com um arrepio...

Si disse...

É aqui que eles mais precisam de nós. E é nestas alturas que devemos estar presentes.
Fazer tudo o que está ao nosso alcance enquanto cá estão, porque depois de partirem de nada valem as intenções do que ficou por fazer.
E a mente humana, pode pregar partidas, mas nunca esquece.

Violeta disse...

A minha mãe morreu num lar, ausente de si mesma, por isso o teu post fez-me chorar.
bjs

BlueVelvet disse...

Querida amiga, como já comentei este post,vim dizer-te para agarrares num cesto bem grande e apareceres lá por casa. Tens muita coisa para trazer.
Beijinhos

sani disse...

Fizeste-me chorar... mas foi um choro confortante...Adorava a minha avozinha!!!E tennho a sorte de ver a minha filha ter o mesmo sentimento pelas suas avozinhas(O)...Que perdure por muito e muito tempo este sentimento, é que nele reflecte uma inocência de uqe tanto tenho SAUDADES.
Obrigada

CarlaSofia disse...

Olá querida,
um texto profundo e com muito sentimento e por isso deixo apenas um beijinho*
~universosquestionáveis~

O Profeta disse...

Lembrarás tu que as manhãs
Acordam da tua luz fugidia
És esperança de perdida estrela
Quem recolhe a dor em Deus confia

Assombração que o luar esqueceu
Nas margens de um lago azul
Hoje passou a voar por mim
A última garça a caminho do sul

Era alva como a espuma do mar
Graciosa como mulher feliz
Voava de encontro ao vento
Com olhar brilhante de petiz


Boa semana



Doce beijo